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Entre os dias 28 de junho e 03 de julho, tive a oportunidade de realizar um dos meus grandes sonhos, conhecer o Vale do Jequitinhonha.

Uma excursão cultural organizada pelas queridas Cássia Duarte, Mary Arantes e Jotaerre, que me permitiu ouvir e ver de perto as histórias dos grandes mestres da região e de suas famílias, as memórias, o artesanato – patrimônio imaterial do Vale, a arte, a música e a gastronomia local.

Hoje compartilharei com vocês um breve relato sobre a experiência e as memórias marcantes que tanto me tocaram e inspiraram. O relato será ilustrado por algumas imagens que fiz ao longo da jornada. Vamos comigo?!

PdD no Vale do Jequitinhonha

Nossa viagem começou em Caraí, um município simples e habitado por pouco mais de 20.000 pessoas. Terra de artesãos e artistas como Margarida e Zé Maria, (filhos de Ulisses Pereira, falecido em 2006) e uma das artesãs e mestra mais conhecidas do Vale, Noemisa Batista dos Santos.

Mestra Noemisa é uma artista de corpo frágil, fala tímida e criatividade ímpar. Quem acompanha e estuda o seu trabalho, costuma dizer que suas peças são crônicas do cotidiano no qual ela está inserida, retratos de sua própria vida e história… e a celebração de rituais como batizados e casamentos.

A artesã foi definida por minha querida companheira de viagem Iracema Rezende, como “uma pessoa frágil feito um passarinho, que sonha ser enterrada com um vestido de noiva”. Ouvir as histórias de Noemisa foi um grande privilégio. As peças da artesã podem ser encontradas em diferentes cidades do Brasil e do mundo.

Seguimos para Santana do Araçuaí, distrito do município de Ponto dos Volantes, para conhecer a associação dos artesãos da cidade, discípulos da Mestra Izabel Mendes. Fomos recebidas com um delicioso café com biscoito e tivemos a chance de conhecer mais sobre o trabalho dos ceramistas da região.

Nossa excursão passou também pelo município de Itaobim, onde visitamos a belíssima praia do rio Jequitinhonha ao entardecer para acompanhar um pôr do sol típico do Jequitinhonha, cena que jamais esquecerei.

Estávamos todas encantadas com a receptividade dos habitantes do Vale, que nos acolheram em todos os locais com um sorriso no rosto e muitas histórias. E foi com essa mesma alegria que fomos recebidas calorosamente numa deliciosa festa junina na
casa da artesã Iza Matos. Momento de celebrar São João ao lado de vários artesãos em uma noite deliciosa.

Seguimos viagem para Araçuaí e, no caminho, paramos em Pasmado e Pasmadinho onde, na beira da estrada, tivemos a chance de conhecer um pouco do artesanato que dá origem a lindas panelas de barro.

Em Araçuaí, visitamos o Museu Frei Chico para um enriquecedor bate-papo com a sábia artesã mestre Lira Marques, mulher do vale de voz mansa, gestos delicados, cheia de saber e ancestralidade retratada em palavras e arte.

Lira foi conhecida durante muito tempo por suas belas esculturas de barro e nas últimas décadas, vem se dedicando à pintura. Nos últimos anos, ela passou a se dedicar à pintura no papel e pedras. Sua obra alcançou grande valorização e atualmente, ela é representada por uma galeria de Belo Horizonte e São Paulo, devido ao seu caráter singular e especial.

Além da mestra, conversamos também com Ângela, do movimento Cultural, a indigenista Cleonice e o músico e pedagogo Josino Medina. Uma tarde de muitas descobertas e ensinamentos, em um lugar de grande potencial artístico e cultural.

Visitamos também o mercado local, repleto de mercadorias regionais como panelas de barro, farinha amarela, rapadura, especiarias, coentro e outras delícias da região.

Conhecemos ainda a Cooperativa Dedo de Gente, escola profissionalizante para crianças do Vale e fizemos um passeio pela cidade com direito a paradinha na tradicional venda do Seu Lidirico, que funciona por lá desde 1948.

No dia seguinte, saímos para uma visita à aldeia Pataxó e na sequência, partimos para o município de Berilo, conhecido pela excelência de sua tecelagem e madeira. Fomos recebidas pelo congado Nossa Senhora do Rosário – cantamos juntos e ouvimos boas histórias!

Visitamos a Casa Domingos de Abreu, um casarão antigo com muro de pedra feito pelos escravos que já abrigou a Alfândega da cidade. Vários artistas estavam reunidos e tivemos a chance de conhecer o artesanato em tear e madeira de Natalina e Andrezinho.

Além de toda a cultura, nos serviram um delicioso café com biscoito frito na hora e ainda tomamos caldo de cana! Uma tarde deliciosa!

O nosso próximo destino foi o município Chapada do Norte, onde conhecemos o lindo artesanato da região, feito principalmente em madeira e em couro.

Em nosso roteiro, também estava o município de Minas Novas. Logo na primeira noite, encontramos o Mestre Antônio, mestre artesão, artista, benzedor e raizeiro e nos encantamos com toda sua espiritualidade, filosofia, respeito à natureza e à cultura local com toda sua ancestralidade.

Pela manhã, mestre Antônio nos recebeu gentilmente em sua casa e nos apresentou a sua maravilhosa arte dos tambores e com a natureza. Visitamos também um belo casarão antigo cheio de história, que hoje abriga o museu da cultura regional e a associação de ceramistas da região. O Casarão Colonial de Minas Novas, também chamado de Sobradão, foi o primeiro prédio de Minas Gerais com seus 04 (quarto) pavimentos, construído em 1821, em madeira e taipa.

De lá, partimos para o município de Turmalina onde primeiramente, fizemos uma visita à Olaria Divina Terra. O trabalho feito por lá é reconhecido por sua proposta de sustentabilidade e design. Desenvolvem revestimentos com o barro da região e inclusive, já fizeram uma obra especial em parceria com os irmãos Campana – Cobogó com uma mão – em prol dos desabrigados do acidente de Mariana.

Em Turmalina, destaque também para a Associação Cultural de Bordados e a Secretaria Municipal de Cultura. A noite fomos presenteadas com uma incrível apresentação do ator e escritor Gilmar Souza, exímio contador de prosas mineiras!

À medida que a nossa viagem foi se aproximando do fim, os dias se tornaram mais intensos e ainda mais incríveis. A receptividade local faz com que os visitantes se sintam parte das histórias. Mesmo as mais difíceis, são sempre contadas com uma grande riqueza de detalhes e muita simpatia por seus personagens.

Acordamos na manhã seguinte rumo a um grande dia, com visitas a vários artesãos e associações/cooperativas. Logo cedo conhecemos o belo trabalho de Dona Rita e sua família – filha e neta – em Campo Alegre.

Fomos a pé por uma estrada de terra para conhecer a casa encantada de Zezinha, em Campo Buriti, um lugar tão remoto que o ônibus não conseguiria chegar até lá. A caminhada de alguns quilômetros foi recompensada logo na chegada. Na casa da Zezinha, uma enorme surpresa… um jardim de esculturas de cerâmica feito e cuidado com muito carinho por ela! Uma maravilha cultural, museu a céu aberto, um verdadeiro “Inhotim” do barro.

Zezinha, inclusive, é uma artesã conhecida internacionalmente e já ganhou prêmio da ONU por seu trabalho diferenciado e encantador.

No início da tarde, almoçamos com a simpática ceramista Deuzani, dona de um trabalho muito delicado e que além de tudo é poetisa. Logo depois, partimos para conhecer a associação de artesãs de Coqueiro Campo. Por lá, nos deparamos com belíssimas peças e tivemos a oportunidade de caminhar pelo lugarejo e contemplar a deliciosa pracinha com suas belas casinhas coloridas.

Fomos recebidos com muita alegria e calor pela querida artesã DuCarmo. A artesã nos fez uma Demonstração do preparo do barro e de como moldar uma peça de cerâmica. Além do talento, DuCarmo tem uma grande importância no resgate dos saberes e tradições da região do Vale do Jequitinhonha.

Terminamos a visita com um delicioso café com biscoito e fomos premiadas com uma bela apresentação de cantiga de roda do grupo de roda Saberes que teve como cenário o maravilhoso pôr do sol alaranjado do Vale.

E para fechar com chave de ouro a nossa excursão ao Jequitinhonha, na volta para BH passamos por Cordisburgo, cidade berço do médico e escritor Guimarães Rosa, e visitamos o “Museu Casa Guimarães Rosa”.

Agradecimento e homenagens ao Vale do Jequitinhonha

No fim da jornada, ficou em meu coração um sentimento maravilhoso, por ter tido a chance de conhecer e conviver com os incríveis moradores do Vale, principalmente as mulheres lutadoras – que tem no barro a matéria prima de sua arte e fonte de
sustento… fortes e ao mesmo tempo tão delicadas.

Me conectei profundamente com a natureza, com as pequenas cidades, com os trabalhos manuais, com a delicadeza e simplicidade das pessoas e com o carinho e acolhimento com o qual nos receberam em cada lugar que fomos.

Essa expedição definitivamente deixou muita saudade e uma renovada esperança no ser humano. No Vale, aprendemos que mesmo em ambientes tão desafiadores, é possível plantar e colher afeto, criatividade e calor humano.

Agradeço Cássia Duarte, Mary Arantes e Jotaerre por nos proporcionarem essa maravilhosa experiência e também à agência de turismo Ziderich. Agradeço ao motorista do ônibus Renato que nos conduziu com carinho e não perdeu paciência com as inúmeras “caixas de compras”. E agradeço
ao grupo de companheiros e companheiras dessa viagem ao encontro de nossa alma! Um grupo sensível e inesquecível.

Como forma de retribuir tudo o que recebi e aprendi nesses quase 07 dias – a lida do barro, das ceramistas, das cidades e de todos os encontros de almas coloridas da cor da terra – escolhi homenagear o Vale do Jequitinhonha na comemoração dos 12 anos da PdD.

Obrigada Vale do Jequitinhonha por essa experiência marcada pelo barro, pela luta, pelas mulheres fortes e doces, pela tradição, sabedoria e iluminada pelo maravilhoso pôr do sol.